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UM E-Theses Collection (澳門大學電子學位論文庫)

Title

As fontes do direito em Macau

English Abstract

PRÖLOGO "A ironia da hist6ria mundial pöe tudo de pemas para o ar. Nos, os 'revolucionårios, os 'subversivos', prosperamos muito mais pelos meios legais que pelos meios ilegais e pela subversäos Os partidos da ordem, como eles se chamam, perecem com o estado legal que eles proprios criaram. Com Odillon Barrotl, eles exclamam desesperados: a legalidade mata-nos! Enquanto isso, nos, dentro dessa legalidade, ganhamos müsculos firmes e bochechas rosadas e respiramos a juventude eterna. E se nos näo formos suficientemente insensatos para nos deixarmos empurrar para o combate de rua para lhes agradar, näo lhes restarå afinal outra saida que näo seja a de quebrarem eles pr6prios essa legalidade, que se lhes tornou täo fatal." Estas lücidas palavras de Engels assentam como uma luva no actual estado de coisas em Macau. Em 1987, o governo da RPC celebrou com o governo portugués um acordo destinado a definir o futuro de Macau: a DC. Neste acordo, os dois governos estabeleceram um quadro juridico no qual se garantia a manutencäo em vigor das leis vigentes å data da Reunificacäo que näo contrariassem a LB, salvo no que fosse posteriormente sujeito a emendas pelos orgäos competentes da RAEM, bem como a salvaguarda de todos os direitos fundamentais assegurados pelas leis vigentes å data da Reunificacäo. Instituida a RAEM, a DC evaporou-se! A doutrina oficial jamais a invoca, nem como fonte directa de direitos fundamentais ou principios båsicos, nem como padräo de afericäo da validade juridica das disposicöes da LB ou, pelo menos, das leis locais, nem sequer como elemento de interpretacäo e integracäo das normas da LB. Näo faltam, aliås, rumores a imputar-lhe a tese da caducidade da DC ap6s a Reunificacäo, embora eles parecam ser desmentidos por um website juridico oficia, que a coloca no topo da lista das principais convencöes internacionais vigentes em Macau. Para dar cumprimento ao acordado com Portugal na DC, a APN aprovou a LB. Esta lei veio corroborar aquilo que afirmava a DC a respeito da manutenqäo em vigor das leis previamente vigentes. No entanto, o CPAPN e, secundando-o, a Assembleia Legislativa de Macau vieram declarar a da vigéncia de toda a legislacäo produzida por orgäos de soberania de Portugal, criando vazios legais em åreas täo subordinadas ao principio da legalidade como o direito fiscal e o contencioso laboral. A LB veio outrossim determinar que o PIDESC, o PIDCP e as convencöes da continuariam a vigorar em Macau independentemente de qualquer acto do GPC, e que as leis da RAEM näo poderiam contrariar o disposto em tais convenqöes. Mais um Caso de letra morta, pois a doutrina oficial so reconhece vigéncia ås convenqöes da OIT por cujo cumprimento o GPC tenha declarado assumir a sua responsabilidade internacional perante aquele organismo. Na verdade, a LB so é atendida pela doutrina oficial na estrita medida em que näo ponha em causa as opcöes do poder politico oligårquico da RAEM, encimado por um Chefe do Executivo todo-poderoso e enfeitado por uma Assembleia Legislativa que corn ele faz coro. Assim, näo obstante a clara opcäo da LB de confiar å Assembleia Legislativa a exclusividade do poder legislativo, atribuindo ao Chefe do Executivo um mero poder regulamentar, este tem-se entregue a uma prodiga actividade legiferante, å guisa dos antigos governadores (saudades do EOM?). Utilizando a supostamente modesta figura do "regulamento administrativo", ele näo se tem feito rogar para, sem precedéncia de quaisquer leis de habilitacäo, ir remarcando com a sua estampa grande parte do ordenamento juridico de Macau, sem poupar matérias sujeitas a absoluta reserva de lei nem se coibir — deveras! — de revogar e alterar decretos-leis. "Isto näo pode ser", clamam os juristas...; mas pode, "é a orientaqäo politica do Sr. Chefe do Executivo", redargüem os burocratas. Os circulos dirigentes de Macau e os seus apparatchiki mais devotados parecem, de facto, empenhados em remover o direito das principais fontes que lhe däo corpo as leis e as convencöes internacionais — e faze-lo transmigrar para o mundo das "orientacöes politicas do Chefe do Executivo.’’ Este fenomeno de desintegracao juridica encontrou uma das suas expressöes mais cruas na lei destinada a evitar a dupla tributacäo intemacional (Lei n.0 2/2003), proposta pelo Govemo e aprovada pela Assembleia Legislativa por unanimidade. Näo obstante a latéria fiscal ser expressamente inscrita pela LB na {rea da competéncia exclusiva da ssembleia Legislativa, o Governo näo teve pejo em propor, e a Assembleia em aprovar, um diploma que, afora a disposicäo relativa å entrada em vigor (artigo 2.0), nada mais diz senäo isto: "Quando, por efeito da aplicacäo das leis fiscais de diferente jurisdicäo, surjam situacöes de dupla tributacäo sobre o mesmo contribuinte, compete ao Chefe do Executivo adoptar as medidas necessårias å respectiva regularizacäo tributåria e celebrar acordos de åmbito regional ou internacional destinados a evitar a dupla tributacäo" (artigo 1.0). Missäo cumprida, dirå a Assembleia... A preposteracäo do sistema de actos normativos a que se tem assistido em Macau desde a Reunificacäo poderia ter-se quedado por aqui, e jå teria ido longe demais; mas ela continuou, entrando pela årea regulamentar adentro. A LB introduziu no quadro dos actos juridico-püblicos da RAEM uma figura denominada "ordem executiva". Para que serve esta figura, importada de Hong Kong, a LB näo o esclarece. A Assembleia Legislativa poderia ter disciplinado, por lei ordinåria, o seu uso, mas também näo o fez. Assim sendo, o Chefe do Executivo tem-na utilizado segundo o seu proprio arbitrio, ora para praticar actos politicos (v.g., nomeacäo dos titulares dos principais cargos), ora para praticar actos administrativos (v.g., autorizacäo de abertura de sucursais), ora para praticar certos actos regulamentares, em substituicäo dos diplomas denominados "regulamentos administrativos". Para a segunda e terceira finalidades, o Chefe do Executivo tem igualmente recorrido aos despachos, figura herdada do sistema anterior. E ambos os tipos de actos ordens executivas e despachos tem vindo a ser empregues como sucessores das portarias, as quais foram excluidas do novo sistema. Perante o desregramento acabado de retratar, nada mais natural que perguntarmos, e perguntar o leitor: afinal, em Macau ainda existe um sistema de rule of law? Na nossa opiniäo, o rule of law, ou império da lei, encontra-se em Macau num estado crepuscular, pouco faltando para ficar imerso na mais completa escuridäo nocturna. Na realidade, a ordem juridica deste enclave sofreu uma profunda cisäo: de um lado, temos o direito dejure, o direito de direito, ou seja, o direito que resulta de uma articulaqäo rigorosa e de uma anålise puramente juridica das diversas fontes do direito positivo; do outro, temos o direito de facto, isto é, o direito que é feito passar como tal pelo Poder e no qual os cidadäos, quer queiram, quer näo, tém de acabar por se basear para resolverem os seus problemas. Serå isto um fado inexoråvel do primeiro territorio do Extremo Oriente regido por uma constituicäo embebida no Iluminismo? Certamente que näo. Do crepüsculo, o império da lei poderå catapultar-se para uma nova aurora. Assim cremos e queremos. Mas, para que tal suceda, serå imprescindivel compreender-se o sobredito "direito de direito", pois que o império da lei näo é mais do que a coincidéncia, com ele, do direito de facto, ou seja, a reuniäo de ambos num direito tout court. Dai o estudo, que decidimos empreender, do sistema das fontes do direito em Macau. No presente estudo limitar-nos-emos, por razöes de tempo, ås fontes do direitoimediatas, gerais, externas e fundadas na autoridade püblica, excluindo, portantoas fontes mediatas , como os usos e a equidade, as fontes sectoriais, como as convencöes colectivas de trabalho, os regulamentos da empresa e os avisos e circulares da Autoridade Monetåria e Cambial, as fontes internas, como esses mesmos regulamentos de empresa e outros regulamentos internos, e as fontes fundadas na autonomia privada como as supramencionadas convencöes colectivas de trabalho, os sobreditos regulamentos de empresa e, em geral, os regulamentos internos de entidades privadas, as clausulas contratais gerais e os contratos.

Issue date

2004.

Author

Katchi, Antonio Francisco

Faculty
Faculty of Law
Degree

LL.M.

Subject

Law -- Macau -- Sources

Supervisor

Canotilho, José Joaquim Gomes

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Location
1/F Zone C
Library URL
991000176559706306