Com o presente trabalho tentar-se-á mostrar como um conjunto de ideias próprias do pensamento budista enformam o horizonte de compreensão e a perspectiva que Antero de Quental tem da Realidade, e, além disso, como nos Sonetos, Antero de Quental faz uma leitura muito peculiar de certas noções fundamentais do Budismo. O próprio Antero em carta a A. Jaime de Magalhães Limai tenta condensar as suas reflexões na fórmula "Helenismo coroado por um Budismo", querendo com ela significar uma aliança entre duas correntes de pensamento (quiçá ambas de cariz orientalizante, mas numa perspectiva ocidental) que tendem para uma explicação da Realidade cujo projecto é todavia semelhante: a superação da realidade pela alteração da perspectiva gnoseológica e da Consciência do sujeito em vista da realização do Absoluto. Foi escolhido para corpus deste trabalho o conjunto dos Sonetos de Antero de Quental. Esta escolha deve-se ao facto de se entender aqui a poesia, e muito particularmente o Soneto, como o lugar em que em Antero, de uma forma mais evidente, espontânea e (talvez) elaborada, o referido quadro mental de ideias emprestadas ao Budismo despontam numa linguagem necessariamente mais condensada e concisa. Será portanto um trabalho que se construirá em torno de dois eixos fundamentais: a confluência da versão ocidental e da versão oriental-budista sobre as questões da Realidade e do Mundo Moral, e o cruzamento do registo poético com o registo filosófico. É por esta razão um estudo duplamente comparatista, na medida em que se desenvolverá com base nas duas interfaces supra-referidas. Tentar-se-á mostrar como os textos anterianos se situam na margem de intersecção do poético com o filosófico, e como estão enformados por um conjunto de conceitos e ideias que , no seu todo, formam uma perspectiva essencialmente ecléctica, onde têm um valor fundamental os elementos aportadosao pensamento budista. Das leituras sucessivas que fomos fazendo dos textos anterianos, foi- se-nos afigurando essencial este aspecto na obra de Antero de Quental, o qual, contudo, não vimos ser tratado, com o fôlego que nos pareceria necessário, por nenhum dos seus comentaristas. Desta feita o texto que se segue é fruto de uma reflexão longamente amadurecida, donde resultou um muito peculiar percurso de leitura, que ora sumariamente se espelha no índice do presente trabalho: um percurso que se situa numa área de mútipla confluência formal e ideológica e que nos habilita a um (talvez) novo entendimento de textos que de parte a parte lançam sobre si uma também nova luz.