UM E-Theses Collection (澳門大學電子學位論文庫)
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A lingua Portuguesa em Macau : do passado para o presente : que futuro?
- English Abstract
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NOTA INTRODUTÓRIA O meu interesse pela problemática da língua portuguesa em Macau surge naturalmente integrado na minha vivência, quer humana quer profissional, ao longo de mais de quinze anos no território. Quem, em 1982, aqui chegava, vindo de Portugal, trazia na expectativa uln Oriente exótico, que nem todos encontraram, e a ideia de que aqui se falava português. E, com efeito, aqui fala-se português, só que o primeiro embate é com outra realidade: a massa enorme da população chinesa, que se exprime, regra geral, em cantonês. Mas em breve se estabelece o contacto com a comunidade lusófona: os portugueses vindos de Portugal ou de outras paragens, os macaenses ou filhos da terra, e a reduzida percentagem dos chineses residentes que dominam o português. Agora e então, o português que aqui é utilizado é um português variado e variável, tal como a sociedade local, constituída por diversos grupos étnicos, entre os quais se destacam porque constituindo uma comunidade única, cuja origem e desenvolvimento estão essencialmente ligados a Macau - os macaenses, os portugueses originários de Macau. Ser-me-ia dificil empreender qualquer pesquisa que não tivesse como ponto de partida e de retorno a sociedade macaense, multifacetada e em transformação, sociedade em que me insiro, mas com um estatuto algo especial: o estatuto dos portugueses de lá, que formam uma comunidade heterogénea mas bem demarcada. Só que as comunidades não são estanques, sobretudo se se tem curiosidade de saber quem é o outro, com quem se convive diariamente mas que não é como nós. A interacção individual junta- -se aqui a interacção em termos de comunidades étnicas. O gupo dos macaenses sobressai, porque indiscutivelmente ligado a esta telTa, porque é nela que assenta a sua especificidade. Antes ainda de sermos capazes de o caracterizar, sentimo-lo como presença real, que enforma a sociedade local, no seu todo, quando vista da perspectiva do português expatriado. Até muito recentemente, eram os macaenses que, numa primeira fase, faziam a ponte entre nós e os chineses, sendo não poucas vezes confundidos com eles. Só que a semelhança, embora fundada em elementos objectivos, não resiste a um olhar um pouco mais conhecedor, e a riqueza da sua cultura poli-híbrida manifesta-se de inúmeras formas, tornando-a inconfundível e suscitando o desejo de, de alguma forma, a definir, para tentar neutralizar a sensação de que ela se nos escapa, tão depressa bem próxima de nós como quase irremediavelmente afastada. Seleccionar a problemática da língua portuguesa é, portanto, pegar apenas numa das muitas "pontas" que se nos oferecem, ao procurar compreender Macau e os macaenses. Mas é um percurso em que a língua não é vista como realidade separada, pois só enquanto utilizada por uma comunidade, no seio de uma sociedade, adquire a sua verdadeira dimensão. E é assim que, para mim, a perspectiva de abordagem é, antes de mais, a da Sociolinguística. Neste período histórico, em que se aproxima a data da transição da administração de Macau para a República Popular da China, surge, mais premente do que nunca, a grande questão: como é que a língua portuguesa em Macau é vista e perspectivada, em termos de passado, presente e futuro, pelas comunidades que, aqui, a usaram e a usam, nomeadamente pelos macaenses e outros portugueses residentes em Macau? Que lugar dão essas pessoas à língua portuguesa no conjunto das preocupações que se relacionam com as transformações que estão e vão continuar a ocorrer, ao longo do período de transição? Diariamente ouvimos referir que é importante a manutenção da língua portuguesa em Macau, por razões que se prendem com a História, com os valores nacionais e com o património cultural, que todos concordam que é preciso preservar. Muitos crêem, também, que a sobrevivência da comunidade macaense está em risco, e sabem que o português é um dos seus elementos essenciais, cuja continuidade importa salvaguardar. Sobre esta temática, quase ninguém se esquiva a falar. A todo o passo temos oportunidade de ouvir ou ler considerações sobre o português em Macau, agora e no futuro. Por vezes, há a procura de uma certa conivência, em que se tenta estabelecer se o interlocutor partirá das mesmas bases; outras vezes, essa etapa é omitida, mas surgem sempre as grandes áreas de unanimidade: o português é de conservar, mas os augúrios não se afiguram positivos. "Só com um milagre", parece ser o que está por trás dos discursos mais diferenciados. Estratégias concretas, porém, não são sugeridas com facilidade. O discurso situa-se, geralmente, num nível pouco objectivo, que parece "pairar" sobre a realidade, sem que se vislumbrem elementos que possam constituir pontes de passagem A ligação afectiva com a(s) língua(s) assume, assim, um relevo considerável. Qualquer julgamento sobre o tema terá de ser analisado também a esta luz. Marca cultural, a língua é instrumento de acomodação e desempenha, portanto, um papel social. O seu domínio pode representar prestígio, e traduz-se, por vezes, num instrumento de poder. Daí surgem conflitos, que constituem também a dinâmica da sociedade. A área de pesquisa alarga-se demasiado, se tentamos abarcar o fenómeno linguístico na sua totalidade, É necessário delimitar, escolher aspectos que se nos afigurem fundamentais, no sentido de básicos, e a partir dos quais se possa então partir para enfoques mais específicos e análises mais detalhadas. Porque, apesar de muito se dizer, não há uma sistematização, um quadro minimamente definido da situação actual da língua portuguesa em Macau. Por isso, é preciso começar do quase nada, e formular e responder às questões mais gerais: Como surge o português em Macau? Quem o fala? Que papel desempenha dentro da sociedade macaense no seu todo, nomeadamente a nível político e económico? Que funções desempenha dentro da comunidade macaense? Que perspectivas há para a sua continuidade neste território? E, portanto, este o ponto de partida, e o presente trabalho constitui uma tentativa de contribuir para a grande tarefa que será organizar e sistematizar uma reflexão sobre a língua portuguesa em Macau e o papel que lhe caberá após 1999. É, basicamente, um estudo exploratório, pois se situa ainda ao nível da apresentação da problemática. Mais do que procurar propriamente responder a questões concretas, pretende-se aqui, pelo contrário, identificar as questões formuladas pela(s) comunidade(s) humana(s), dar uma panorâmica da forma como estas lhes vão respondendo. Ana Maria Amaro, que tão bem tem sabido tratar a problemática de Macau numa perspectiva científica, sem negar o envolvimento afectivo com este território chinês onde uma cultura híbrida de raiz portuguesa tem sabido singrar ao longo dos mais de quatrocentos anos da sua história, afirma numa das suas obras mais recentes: ‘’Conhecer quem vive, hoje, em Macau, quais foram as suas raízes históricas, quais são os seus valores e como reagiram estes às modificações socio-económicas e ao impacte multi- étnico de que este território foi palco nos seus quatro séculos de história, parece-nos a forma mais eficaz de levar os estudiosos a consultar os actuais projectos de investinaento e as variáveis postas em jogo, em Macau, para a avaliação dos principais impactes da futura transição para a China. Deste modo será possível formular hipóteses sobre o futuro de Macau, do ponto de vista socio-cultural, depois de 1999, acerca das possíveis reacções à nova estrutura política e social elli que os )nacaenses serão integrados, bem como pré-avaliar possíveis intervenções a nível internacional ou mesnao servir de apoio a meras relações políticas. " (AMARO 1997: 15). Para terminar, gostaria de sublinhar que o presente trabalho não teria sido possível sem o contributo de todos aqueles que, ao longo dos anos, e em situações muito diversificadas, me foram exprimindo o que sentiam e pensavam sobre esta temática. Assim saiba eu transmitir sem traição o que me foi transmitido.
- Issue date
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1998.
- Author
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Correia, Ana Cristina Rouille
- Faculty
- Faculty of Arts and Humanities (former name: Faculty of Social Sciences and Humanities)
- Department
- Department of Portuguese
- Degree
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M.A.
- Subject
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Creole dialects, Portuguese -- Macau
Portuguese language -- Dialects -- Macau
Sociolinguistics
- Supervisor
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Saramago, Joao Antonio
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- Location
- 1/F Zone C
- Library URL
- 991000157429706306