INTRODUÇÃO Os estudos levados a cabo nos últimos anos por historiadores actuais sobre a História de Macau e da Ásia têm dado a conhecer aspectos relevantes da cultura oriental e as etapas mais importantes dos quatrocentos anos de permanência dos Portugueses em Macau. Porém, após o período áureo do comércio com o Japão, os anos de depressão dos séculos XVII e XVIII continuam submersos numa certa obscuridade. Fértil em literatura de viagens e em relatos de missionários deslumbrados com o Oriente, o século XVI mereceu a atenção dos historiadores, que se debruçaram sobre a problemática da fundação de Macau e sua prosperidade durante a primeira metade do século XVII, consequência da actividade comercial. Mudanças político-administrativas e eventos do século XIX voltaram a despertar a atenção dos historiadores, já com acesso a vasta documentação fornecida pela imprensa e melhor preservada no tempo. A faixa cronológica que compreende a primeira metade do século XVIII, objecto deste trabalho, não motivou os escritores da época para além das polémicas que afectaram a vida da cidade. Os historiadores que hoje reconstituem a história de Macau, desde as origens à época comtemporânea, dão pouco relevo a esse período, resumindo em algumas páginas os acontecimentos de maior vulto. As fontes apresentam dificuldades de acesso, por se encontrarem dispersas por vários arquivos da Europa e da Ásia. A falta de traduções da documentação chinesa desta época constitui uma barreira para quem não domina a língua chinesa. A exploração bibliográfica deste trabalho pretendeu fugir a uma visão parcial e abarcar, quanto possível, a diversidade de opiniões. Para tanto, recorreu a obras de historiadores portugueses, europeus e chineses, estas últimas traduzidas em inglês, como por exemplo a recente Macao. 400 Years, de Fei Chengkang. Estudos de autores portugueses e asiáticos, publicados em revistas editadas em Macau, foram também considerados com o mesmo objectivo. Cronologias, efemérides e monografias sobre Macau, sobre a sua vida marítima, as acções diplomáticas, o comércio asiático, as relações luso- chinesas ou sobre outras temáticas, permitiram recolher informações valiosas, mas não suficientes, a um trabalho explicativo da História, como o que se pretende realizar. A pesquisa documental completou as lacunas da bibliografia, sendo a maior quantidade de dados recolhidos no Arquivo Histórico de Macau, pela facilidade de consulta. A vasta documentação existente reflecte a vida dos moradores nas suas relações de comércio, vínculos administrativos, ambiente social e questões do quotidiano. Dispondo ainda de documentação oriunda de arquivos de outras cidades, como Madrid, Rio de Janeiro e Lisboa, o Arquivo Histórico de Macau ajudou a superar as dificuldades em sair do Território para consulta de outros arquivos. Limitações de tempo, permitiram apenas visitar, durante o período de férias, o Arquivo da Torre do Tombo e a Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Évora. A documentação do Arquivo Histórico de Goa foi consultada na Universidade de Macau. Os objectivos subjacentes a este trabalho foram os seguintes: • compreender os interesses dos comerciantes portugueses e das autoridades chinesas em manter a cidade como entreposto, mesmo atravessando décadas consecutivas de recessão económica; • dar a conhecer as razões de desentendimento nas relações luso-chinesas e a capacidade de resposta a esssas situações, a nível local e internacional; • contribuir para um melhor conhecimento e visão global da História de Macau na primeira metade do século XVIII, que permanece até agora pouco conhecida. A dissertação apresenta duas partes distintas com perspectivas diferentes de abordagem. Na primeira parte, "Macau setecentista no contexto da Ásia Oriental", pretendeu-se retratar o complexo histórico-geográfico em que Macau se inseria no quadro da Ásia-Pacífico. Numa análise comparativa procurou-se distinguir a administração e os direitos de soberania de Macau em relação a outras possessões portuguesas e especificar os condicionalismos determinantes da evolução das comunidades e da vida económica. Numa visão sincrónica tentou-se analisar os interesses económicos do Reino quanto ao comércio oriental dos domínios ultramarinos e as conjunturas internacionais que determinaram a concorrência das nações, quer europeias quer asiáticas, na vida de Macau. "Os interesses bilaterais nas relações luso-chinesas", tratados na segunda parte, pretendem reconstituir a História local, em diacronia. Analisaram-se os principais problemas económicos decorrentes das conjunturas e do entendimento com a China, que afectaram a cidade, sujeita à política dos Imperadores. As situações de conflito, provenientes das relações de comércio, de diferendos religiosos ou da aplicação da justiça, geraram atitudes de força e de inconformismo, com consequências directas nas liberdades de Macau. Formas de viabilizar uma coexistência pacífica, que se pretendia a todo o custo, procuraram-se através de cortesias, compensações monetárias e com embaixadas à Corte de Pequim. Na conclusão fez-se um balanço dos interesses e dos condicionalismos que individualizaram a cidade de Macau. A maturidade cultural da China, o papel da Igreja no processo da aculturação, os interesses bilaterais de comércio em Cantão e no combate à pirataria, o empenhamento da Coroa em resolver assuntos da cidade e a iniciativa privada mereceram especial referência. Tanto à China como a Portugal interessava a continuidade do comércio, facto que justifica a permanência de Macau na Ásia.